quarta-feira, 2 de junho de 2010

Segurança pública: as UPP em conflito

Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) reabrem debate sobre o papel da polícia nas comunidades do Rio de Janeiro

Por Marília Gonçalves

Duas horas da manhã. É quando as caixas de som da favela Santa Marta, no Rio de Janeiro, devem ser desligadas, mesmo nos finais de semana. Os responsáveis por garantir que esta regra seja cumprida são os policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do local, a primeira implantada no Rio de Janeiro, em dezembro de 2008. Hoje, já existem outras oito unidades espalhadas por favelas da cidade.

Na madrugada de sábado, 22 de maio, o rapper Emerson Nascimento, conhecido como MC Fiell, foi preso por policiais da UPP por desrespeitar esta regra. Segundo ele, os policiais entraram no bar onde estava com amigos às duas horas da manhã pedindo que o som fosse desligado. Fiell então começou a ler, no microfone, a lei do silêncio, alegando que a festa poderia continuar com o som mais baixo. Neste momento, segundo o relato do artista, os policiais desligaram os equipamentos de som na tomada e lhe foi dada a voz de prisão por desacato à autoridade. Fiell ainda afirma que desceu as escadarias do Santa Marta sob agressões dos policiais.

Desde a implantação da UPP, os moradores do Santa Marta chamam a atenção para a relação entre a polícia e a comunidade. Uma queixa bastante comum era sobre o desrespeito nas revistas pessoais e buscas nas residências, questão que parece já estar superada. No entanto, outros conflitos com policiais da Unidade continuam surgindo. Foi o que motivou a organização comunitária Visão da Favela Brasil, da qual Fiell faz parte, a produzir a Cartilha Popular sobre Abordagem Policial. O objetivo da cartilha era esclarecer aos moradores quais são os seus direitos, e alerta-los acerca de situações de possível coação, como, por exemplo, a exigência de apresentarem documentos, já que a lei não obriga nenhum cidadão a isso.

Na Cidade de Deus, favela localizada na zona oeste do Rio de Janeiro que já recebeu uma UPP, também existem histórias de abusos de policiais. O Observatório Notícias & Análises conversou com o presidente da Associação de Moradores da comunidade, Alexandre Ferramenta, que relatou algumas delas. Os moradores que sofreram agressões não querem ser identificados, por questão de segurança. Segundo Alexandre, não são todos os policiais da unidade que praticam atos ilegais. Pelo contrário, apenas uma minoria deles que, nos finais de semana, com a saída do comandante, “se consideram donos da comunidade”. “Eles batem, agridem, xingam idosos, acabam com festas familiares. As lideranças não são contra o projeto da UPP, mas contra esse tipo de policial. Não queremos que a UPP vire uma milícia de farda”, explica ele.

Itamar Silva, do Ibase. Foto: Ratão Diniz / Imagens do Povo
Itamar Silva, do Ibase.
Foto: Ratão Diniz / Imagens do Povo

O objetivo de pacificar
Originalmente, os policiais da UPP são "uma tropa especializada e tecnicamente preparada para exercer ações de pacificação e manutenção da ordem nas comunidades carentes" (Decreto nº 41.650). O objetivo é formar uma polícia diferenciada, mais humana e menos militarizada para atuar dentro das favelas. Para o jornalista, morador do Santa Marta e coordenador do Ibase, Itamar Silva, o que causa este desequilíbrio entre teoria e prática é o tipo de orientação que vem sendo dada aos policiais, causando uma imprecisão sobre qual é o papel da polícia. “Eles estão atuando como organizadores do cotidiano da comunidade. O papel da polícia é tirar o tráfico? Então isto já está feito”, questiona.

Para Mário Pires, geógrafo e membro da coordenação do Observatório de Favelas, a questão dos conflitos está ligada à falta de mecanismos que controlem as ações da polícia pacificadora. “Tem que haver controle social sobre as UPPs. É importante que elas prestem contas à sociedade, que possuam legislação específica e que a sociedade conheça essa legislação”, afirma.

Itamar defende que a comunidade participe dos processos que dizem respeito ao território, definindo questões como a do som alto, por exemplo, buscando um acordo e evitando os exageros. A lei do silêncio existe e deve ser cumprida por todos, mas em muitos outros lugares da cidade essa pressão pela ordem não se dá da mesma forma. “Essas questões não devem ser tratadas pela polícia e de forma arbitrária. Assim, estamos apenas trocando um poder por outro. A médio prazo isso prejudica a cidadania”, diz. O jornalista afirma ainda que, se a lei que vale para outras áreas da cidade vale também para o Santa Marta, então os moradores desta comunidade devem ter garantido muitos outros direitos como saneamento e iluminação. “Vamos aplicar, então, todas as leis”, afirma. Mário conclui no mesmo sentido, lembrando que a presença do Estado é importante, mas que “as UPPs precisam ser acompanhadas de políticas integradas no campo da oferta de serviços e equipamentos”.

Fonte: Observatório das Favelas

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